Dunga foi anunciado para júbilo da torcida, mas a contratação que supera todas as outras é a volta de Paulo Paixão.
Colorados de todas as religiões deveriam erguer as mãos aos céus em oração pelo presente do destino. Ele estava lá, de cantinho no Grêmio, na condição de vice de Antônio Mello. Que é outro craque, eu sei. Mas constrange ver um campeão mundial de assessor – cito só o título mais reluzente para não perder espaço de texto: a lista de taças do homem é comprida.
O declínio do Inter coincide com a saída de Fábio Mahseredjian, que foi fazer o Corinthians correr rumo ao topo do mundo, deixando o Beira-Rio engatar marcha à ré no fôlego.
Eis o Grande Mal, o Pecado Mortal, o Holocausto, o Apocalipse vermelho em 2012, para além da crucificação de Bolívar, da decepção de Forlán e da entrevista desastrada do Fernandão. Paixão assegura a condição física superior, ofertando a Dunga o direito de mandar seu time marcar lá na frente sem medo da língua de fora.
Sob sua tutela, os músculos não afrouxam. Enrijecem feito os alicerces da Muralha da China. Também não se tem notícia de pulmões vazios, mas tanques de oxigênio com um coração no meio. Paixão é o cara dos microciclos, do limiar aeróbico, dos aminoácidos. Da ciência.
Lembro dele entregando comprimidos de aminoácidos a cada jogador na Granja Comary, durante a preparação para a Copa da França. Varava a noite estudando no quarto, consultando livros e buscando referências bibliográficas sobre como fazer aquele time correr por nós em tão pouco tempo.
Em 1998, pegou jogadores em diversos estágios de condicionamento. Dunga e César Sampaio vinham do Japão. Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos e Cafu encerravam a temporada europeia exaustos de tantos jogos decisivos. Para fechar, havia os “brasileiros”: Júnior Baiano, Bebeto, Taffarel.
Em semanas, tinha de entregar uma equipe homogênea a Zagallo. A Seleção só perdeu na final, golpeada pela crise epilética de Ronaldo e pela França de Zidane. No Inter, terá veteranos, um punhado de experientes e a gurizada, todos em começo de temporada. Para ele, barbada.
Mas há o outro lado de Paulo Paixão, um traço brasileiro que o torna ainda mais personagem. Além de se garantir na parte científica, ele gosta de bater um tambor.
Paixão brinca com a mitologia criada em torno de suas peripécias, como despejar milho perto do vestiário inimigo para os adversários ciscarem para trás. Custa garantir uma forcinha do além, mesmo fazendo tudo direitinho conforme a teoria ensina? Superstições, como se sabe, desempenham papel decisivo no universo mágico do futebol. Não decidem nada. O que decide é talento e treino, não necessariamente nesta ordem.
Só que nossas crendices dão confiança, e um homem confiante é capaz de caminhar na direção da Scarlett Johansson com tanta certeza que ela não terá alternativa senão sorrir e dar uma chance aquele simpático rapaz. Estamos no Brasil, e não na Noruega luterana, com seus 99% de alfabetização e ceticismo. Lá, na Península Escandinávia, onde os fiordes recortam a cena urbana levando o mar para dentro das cidades, elas não passam mesmo de crenças populares sem fundamento.
Aqui, não. Aqui, só fazem crescer o mito em torno do grande profissional que é Paulo Paixão. Mora em Porto Alegre, ele e a família, desde os tempos do Grêmio vencedor dos anos 90, ao lado de Felipão. Se mandar D’Alessandro plantar bananeira, aposto que o argentino dará dois passos atrás, preparando-se para equilibrar-se com os braços ao chão.
Paixão é carioca de nascimento, salgueirense de coração (vermelho e branco como o Inter) e gaúcho por adoção. Batuca um pandeiro com manemolência. Canta. Adora uma boa gargalhada, e as pessoas que gargalham merecem nosso respeito. Os jogadores lhe oferecem uma gota de suor a mais pelo prazer do convívio, além do respeito profissional.
Que graça teria se a grande contratação fosse um preparador norueguês, submerso em relatórios frios como as geleiras da Europa Setentrional para dominar vestiários e erguer taças?
Paulo Paixão é um bom brasileiro. Um brasileiro da academia e da superstição. Sorte do Inter, que ganhou do destino um presente duplo de Natal e Ano-Novo. Sem um time que corra, não há Cristo que dê jeito