Autor: Pedro Hübner Wortmann, advogado, historiador e editor do blog Estação Cinema
Calma. Este blog não enlouqueceu. Por mais que o título acabe sugerindo, não haverá catequização e muito menos discurso religioso baseado nos ensinamentos bíblicos. Sou historiador, advogado e, infelizmente, nunca tive preparo intelectual de me dedicar ao estudo das religiões como elas merecem. Tampouco, o leitor mais atento não deixará escapar a clara referência à letra “Funeral de um Lavrador”, do Chico Buarque. Mas não é hora de falar sobre César, sobre Jesus, minha formação acadêmica ou sobre o compositor: hora de falar sobre a corneta. Melhor: sobre o Corneta. E não encarem este texto simplesmente como uma resposta direcionada, mas sim como um esforço de colocar o blog num divã que compartilha os sentimentos com o leitor.
Agora voltando ao título, este sim sugere a máxima que Jesus utilizou ao responder sobre a possibilidade de pagar tributos ao Império Romano: “Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Aqui não vou entrar na armadilha de esmiuçar toda a interpretação que a frase pode sugerir. Como falei, não tenho o preparo suficiente. Mas é importante para refletir o que é de cada um após os debates intensos sobre o velado pedido de cancelamento da rodada do campeonato brasileiro e o que se diz de “discurso de ódio” nas redes sociais.
Primeiro, não há como negar que há um intenso discurso de ódio potencializado pelo anonimato e pela distância que as redes socais propiciam. Ofensas rasas, racismo, homofobia, misoginia. Junta tudo isso e põe no Facebook e no twitter. Algumas pessoas se assustam, mas estas parecem não reconhecer que vivemos numa sociedade que inspira medo e expira ódio. Porque as redes sociais mostrariam o melhor de nós tendo em vista que é um ambiente sem amarras? Porque seria diferente com o futebol? Veja: o problema não a rede social, mas sim aquela ferramenta que não evoluiu que fica entre a cadeira e o computador. Algumas destas ferramentas neandertais devem seriamente repensar a sua humanidade, certamente. É a parte que cabe deste latifúndio, como diria Chico.
Mas o latifúndio é imenso e cabe muita gente. Inclusive a imprensa, que ocupa uma parte considerável do terreno. Embora não assuma, disputa palmo a palmo com a rede social o monopólio do discurso do ódio. Disputa injusta a depender do veículo de informação. Talvez alguns jornalistas esqueçam, mas quem melhor entendeu este discurso e o fez com mais prazer foi Lacerda nos anos 50. Quem não lembra da frase sobre Getúlio: “Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar”. Embora não seja profissional da área de comunicação, acredito que isto beira muito mais à torcida organizada do que profissão de jornalista. Lacerda representa toda categoria? Não, de forma alguma. Digo isto com tranquilidade para quem for jornalista e por descuido barrar neste texto e chegar com vida até aqui. Nunca utilizarei como crítica a um determinado jornalista o que os seus colegas fazem. Mas este é o meu quinhão e respeito a cerca dos outros terrenos.
A ironia é esta: alguns internautas utilizam o discurso de ódio como alguns jornalistas utilizam o mesmo expediente. Dividem o mesmo quinhão, em condomínio. Alguns de forma mais assumida, outros de forma velada. Mas seria possível generalizar afirmando que todo integrante da rede social pratica o discurso de ódio? Em situação análoga ao caso de Lacerda, a resposta é a mesma. Mas o sintomático é o seguinte: alguns integrantes dos meios de comunicação passaram a utilizar o argumento do “discurso de ódio” para qualificar toda crítica feita aos seus posicionamentos. Isto não é de César.
Como anteriormente afirmado, não há como negar que o discurso de ódio está impregnado em parte considerável de quem navega pela internet. Porém, tenho notado que os meios de comunicação tem utilizado o argumento do discurso de ódio como forma de escudo para eventuais críticas ao seu trabalho. Isto, me perdoem a franqueza, me parece tão autoritário quanto àquele que xinga no seu twitter. Da mesma forma questionam da onde vem tanto ódio, também é justo questionar da onde vem tanta intransigência. Será que não sabem separar o que é de César e o que é Deus?
Bom, onde o Corneta entra na história? Corneta não é de César, nem de Deus. Como o boteco do Ilgo, como o Grêmio Pachola e como tantos outros espaços sensacionais que só a internet poderia proporcionar. Celebremos este espaço. Não há nenhum espaço de ódio, mas certamente críticas a alguns “formadores de opinião”. A linha entre a crítica, ironia e o discurso de ódio é tênue? Sim, é tênue. Mas não sejamos tão autoritários: vamos conviver mais com a crítica, mesmo que limítrofe. Assim como este espaço lida com as suas, os corneteados lidem com as deles. Deem a César o que é de César. Caso contrário, seremos tão pequenos que a nossa cova será com palmos medida e a nossa conta será a menor que tiramos em vida.
Aqueles que se sentem perseguidos por este espaço, relaxem. Encarem como uma reverência às suas atividades, não ao imperador César. Até a vitória de todos nós, corneteiros e corneteados.