O meu jogo
inesquecível29/11/2012
| 06h31
Carlos Gerbase: o Gre-Nal que nunca
acabouEm série, gremistas ilustres falam sobre momentos
marcantes do Estádio Olímpico
Gre-Nal que decidiu o Gauchão de 1977 marcou o cineasta
Carlos Gerbase Foto: Armênio Abascal Meireles,
Agência RBS
O Gre-Nal de domingo marca o último jogo do Olímpico. Entre a
inauguração, em 1954, e o clássico derradeiro, foram muitos jogos, emoções e
histórias. Em série de ZH, gremistas ilustres contam jogos que marcaram suas
vidas. No terceiro capítulo, a história é do cineasta Carlos Gerbase.
Carlos Gerbase*
No dia 25 de abril de 1977, eu estava sentado na cadeira L7 do Olímpico. Eu
tinha dezoito anos e esperava o jogo de futebol mais importante da minha vida.
No final daquela tarde, ou a minha existência - e a do Grêmio - encontrariam,
enfim, um caminho para a felicidade, ou permaneceríamos para sempre envoltos
pelo manto da incerteza e da derrota.
Comecei a vir ao Olímpico nos anos 60, trazido pelo meu pai. Naquela época, o
Grêmio tinha equipes fantásticas. A partir de 1956, foram 12 títulos vencidos em
13 disputados. O dr. José Gerbase, dermatologista que - pelo menos na minha
imaginação - parecia ter atendido a cidade inteira em seu consultório, fora
presidente do Grêmio em 1946, ainda no tempo da Baixada.
Meus irmãos mais velhos, Zeca e Tonho, brincaram nas obras do Olímpico e
aproveitaram essa primeira era dourada, em que brilharam Juarez, Milton Kuele e
Alcindo. Tenho, desse período, apenas vagas lembranças. Quando fiz dez anos, em
1969, e o futebol passou a ser mais concreto na minha vida, tudo começou a dar
errado.
Fui a muitos Gre-Nais, e, apesar do esforço do Loivo, do Flecha, do Ancheta,
o Grêmio só perdia. Por isso aquele Gre-Nal de 77 era decisivo. Tínhamos um
treinador consagrado, Telê Santana, e o melhor ataque da história do Grêmio:
Tarciso, André e Éder. Meu pai, já idoso e com dificuldades para subir escadas,
ficou em casa, torcendo pelo radinho.
Enquanto a bola rolava, em todo o
estádio, em cada degrau das arquibancadas, no interior de cada torcedor
gremista, duas emoções imensas conviviam. A primeira era a esperança de que,
finalmente, o Grêmio conseguiria vencer um Gre-Nal e ganhar um título. A segunda
era o medo de que esse sonho se desmanchasse durante a partida. Esse medo podia
ser sentido no ar e aumentava cada vez que olhávamos para a arrogante torcida
vermelha.
Pênalti para o Grêmio. Abraços, sorrisos, mas a ansiedade continuava.
Tarciso, tão ou mais nervoso do que eu, chuta o chão, espalha o cal e a bola vai
para fora. Os vermelhos comemoram, como se antecipando mais um desastre da minha
geração. Mas, pouco depois, no lance mais lindo que o Olímpico viu em sua
história, Iúra, o "Passarinho", enfia a bola para André Catimba, que entra na
área pela esquerda e chuta com o pé direito, num ângulo absurdo. A bola é levada
magicamente para o ângulo. Gol! André vai comemorar com uma cambalhota e se
estatela no chão. Era demais. Nem ele aguentou.
Pouco lembro do segundo tempo. Apenas esperávamos o apito final. Ele nunca
aconteceu. A torcida gremista começa a invadir aos poucos, principalmente atrás
da goleira da esquerda. Só esperava o jogo acabar. Alguém achou que tinha
acabado e correu. Todos correram. Centenas de torcedores no gramado. Os
jogadores de vermelho correm para o vestiário. Como era de se esperar, o campo é
liberado aos poucos, e finalmente o juiz manda a partida reiniciar. Mas os
vermelhos não voltam.
Numa decisão que ainda hoje, 35 anos depois, tem consequências na história do
futebol mundial, os vermelhos ficam no vestiário e afirmam que aquele Gre-Nal
não terminou. Eles achavam que isso era bom para os seus interesses, mas estavam
enganados. Muito enganados. Como não terminou, aquele Gre-Nal virou eterno. E,
de 77 em diante, só o Grêmio ganhou. Minha geração, agora adulta, percebeu que
receberíamos em dobro tudo o que nos fora sonegado na adolescência. Quando o
Grêmio conquistou o planeta, em 83, alguns acharam que a vitória aconteceu em
Tóquio, mas eles estavam enganados. Os gols de Renato foram no Olímpico, ainda
antes do apito final do Gre-Nal de 77, que jamais será ouvido. E a eternidade,
agora na Arena, sempre será azul.
*cineasta
CRÉDITO:
Ricardo Chaves/Agência RBS