A arbitragem do campeonato e a necessidade de um Observatorio da Imprensa Esportiva
Lenio
Luiz Streck
Ex-Procurador
de Justiça-RS
Doutor
e Pós-Doutor em Direito
Uma sociedade democrática
funciona (melhor) na medida em que possui mecanismos de controle das
instituições. Contemporaneamente, não é difícil perceber a importância,
mormente na divulgação dos defeitos congênitos do sistema democrático, sendo o
maior deles a corrupção. Sem a imprensa, estaria muito dificultado o trabalho
dos agentes responsáveis pelo combate aos crimes em uma República.
Pois bem. Mutatis, mutandis, isso
se aplica ao futebol. Quanto mais controle por parte da imprensa, mais
condições temos de pressionar os clubes, as federações e até os governantes.
Saber sobre malandragens e mal feitos de dirigentes, das mutretas envolvendo
nomeações de auditores, escalações de arbitragens, trucagens nos sorteios,
enfim, quanto mais imprensa livre e imparcial, mais condições temos de colocar
a boca no trombone.
O problema é quando, indisfarçavelmente,
parcela considerável da imprensa torce para um determinado clube, e, com isso,
fecha um (ou os dois) olho(s) para o que acontece na arbitragem. Já há algum
tempo, toda a imprensa – inclusive a que não torce para o Internacional –
quedou-se silente com o estilo de apitar de Leandro Vuaden, deixando o jogo
correr frouxo e incentivando que jogadores talentosos e franzinos sejam caçados
em campo, além de propiciar que grandalhões pernas de pau façam fama e sucesso
nos campos do esporte que deveria ser ludopédico.
Veio a Copa do Mundo e o fiasco
da arbitragem internacional parece que convalidou a ruindade dos árbitros
brasileiros. Os próprios jogadores da “selecinha brasileira” bateram a vontade
nos chilenos, mexicanos e colombianos. Quando enfrentaram os alemães, se
cagaram os de bagé, como se diz na minha terra.
Quem assiste aos jogos do
brasileirão deve ficar estarrecido com o baixo nível da arbitragem. Ao ponto de
o “grande filosofo” contemporâneo Arnaldo Cesar Coelho ter a cara de pau, ao
defender o autêntico decisionismo (vale tudo) dos juízes de futebol, dizer,
sobre um determinado caso em que o arbitro deu cartão amarelo quando deveria
ter dado vermelho que “o juiz acertou dando o amarelo...mas não teria errado se
tivesse dado o vermelho”. Bingo. E bingo mais uma vez. É assim que é a
arbitragem no Brasil. Apita qualquer coisa e receberá o beneplácito dos
comentaristas de arbitragem (argh) e da imprensa em geral, que só chia quando
foi o seu clube de coração o prejudicado.
O jogo Gremio e Cruzeiro foi
patético. O arbitro aos poucos foi “operando” o Grêmio. Dudu foi caçado em
campo. O jogador grandalhão Nilton bateu o tempo todo e não recebeu cartão
amarelo. Bastou uma entrada de um jogador do Grêmio e lá estava o amarelo.
Pensei: como faz falta ter em campo um segundo árbitro como Dalessandro! O
Grêmio, incompetente, não tem ninguém que faz o que Dalessandro faz (e muito
bem, registro). Mas não li uma linha sobre a atuação do árbitro. Quem olhar o
jogo de novo na TV constatará o que estou dizendo. Mas deve ver com os olhos de
ver.
Veio o jogo do Gremio e
Corintians. Desde o início que o arbitro mineiro foi cozinhando o Grêmio no
bafo. O bandeirinha foi preciosista marcando o impedimento no gol anulado de
barcos. E em outros lances. O mesmo bandeirinha que marcou o pênalti de Fabio
Santos. Sim, um pênalti tão escandaloso que o bandeirinha marcou. E o arbitro
consultou o jogador. Pasmem. Mas isso não é nada. Isso passa. Ser garfado
acontece para qualquer time ( o Inter foi prejudicado em um ou dois jogos e,
agora, foi beneficiado em dois jogos seguidos). Em tempos de juízes ruins,
sobra para todo mundo.
O que é que importa, então? O que
importa é o aspecto simbólico. O silencio eloquente da imprensa gaúcha, que
incrivelmente, mesmo olhando o lance na TV, não viu a mão na bola do Fabio
Santos. Até o bandeira viu. Mas a imprensa não viu e nem o comentarista de
arbitragem viu. Como não viram que a
bola que originou o gol do Corintians fora invertida. Uma observação: vamos dar
de barato que a bola tenha batido na cabeça do Fábio. Mas então não deveria a
imprensa discutir a atitude subsequente do árbitro que, antes de consultar o
bandeira, consultou o jogador? E o árbitro que fica atrás do gol? Ele não viu
nada?
A imprensa deveria fazer o papel
de constrangimento epistêmico aos maus árbitros (explico o que é
constrangimento epistêmico: quer dizer que, com a critica, você força que haja
mudanças de atitude; é como no ocorre no direito, quando, por exemplo, um juiz
ou tribunal erra em decisão; vem os juristas especializados e descascam o
juiz...para ele não fazer de novo!). Mas, como a parcialidade campeia, como foi
contra o Grêmio, é mais fácil dizer que o Grêmio está colocando a culpa na
arbitragem. Claro que o Grêmio é culpado. Quem perde para o Curitiba ou o
Criciuma ou o Vitoria pateticamente, não pode chorar no final do campeonato.
Quem deixa o Cruzeiro virar do modo como virou é incompetente. Mas dois erros
não dão um acerto. Nada justifica a má arbitragem. Nada justifica o silencio
eloquente de fortes setores da imprensa em relação ao péssimo nível dos juízes.
Isso para dizer o mínimo, porque pode até haver manipulação. Qualquer um sabe
que o arbitro pode minar uma partida invertendo faltas, dando perigo de gol
etc. Nada justifica que um jogador leve sete faltas seguidas e isso fique por
isso mesmo. Rodizio de faltas é igual a rodizio de apito. É pizza no apito.
O que falta, efetivamente, é um
controle público das arbitragens. Falta mesmo é um observatório da imprensa
gaúcha. E nacional. Falta um ombudsman da imprensa esportiva. Abri os jornais de segunda-feira depois do jogo do
Grêmio e esperei ver uma crítica à péssima arbitragem do jogo do Gremio. Não só
do lance do pênalti, mas uma análise global. Nada vi. É um péssimo sinal. Ou
apenas a confirmação de que, de fato, tem muita gente comprometida que só berra
quando for contra o Internacional.
Claro. Ninguém é santinho nesse
jogo de emoções. Há também um setor (gremista) que age desse modo quando os
erros são ao contrário. Mas é bem menos gente, convenhamos. Por isso,
precisamos colocar o dedo na ferida. Sem falsos moralismos. Em São Paulo e Rio
os jornalistas se assumem torcedores. Por que no Rio Grande do Sul há esse
farisaísmo de isentos” ou
“neutros”, que qualquer um sabe que não é verdadeiro?
Penso que todos os jornalistas
sedizentes neutros deveriam sair do armário e, finalmente, poderíamos fazer um
censo de quantos somos vermelhos e quantos somos azuis. E, então, completar o time que está com menos. Para termos uma
equiparação, certo? Não como é hoje.