A teoria geral do insulto versão “sala-de-redação”
Há um livro famoso de Henry-Louis Mencken chamado O Livro dos Insultos. Só que era um primor de crítica ao establishment e ao senso comum. Aqui no Rio Grande há uma versão fake, isto é, a tentativa de escrever uma teoria geral do insulto sem criatividade. Mencken era fino. Sofisticado. Não chamava as pessoas de idiotas. Refinava. Com fundamento. Por exemplo, se ele queria fazer uma crítica à humanidade ou ao antropocentrismo, dizia: “O único efeito prático de se ter uma alma é o de que ela infla o homem com vaidades antropomórficas e antropocêntricas - em suma, com superstições arrogantes e presunçosas. Ele se empertiga e se empluma só porque tem alma - e subestima o fato de que ela não funciona”. Esse Mencken era demais.
Sobre a fragilidade humana e a possibilidade do erro, não dizia: o homem é um imbecil. Dizia assim: “Se a verdade é sempre mal recebida pelo homem, o erro é recebido de braços abertos”. Leio e releio essa cara. Vejam essa: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada” .
Ainda bem que não falarei de algo complexo. Caso contrário, minha solução simples poderia estar complemente errada. Vamos lá.
Assisti ao programa Sala de Redação na quinta-feira e fiquei estarrecido com o conjunto de insultos que Cacalo dirigiu ao blog CORNETADORW. Cacalo, figura admirável do esporte gaúcho, não leu Mencken. Tomado de ira, usou o canhão de audiência que é o Sala para derramar sua bílis. Como sou colunista do blog “em testilha”, senti-me atingido do mesmo modo que o Ricardo. Os insultos foram de Seca à Meca. O blog CORNETA foi amaldiçoado, como que uma homenagem ao Halloween que se aproxima. Bom, para quem ainda não sabe, Cacalo chamou de pau mandado o editor do Blog, além de idiota e imbecil (idiota várias vezes, imbecil uma só vez), não poupando adjetivos de duvidoso gosto aos corneteiros do parque da redenção.
Chamar alguém de idiota e imbecil só porque não concorda com teses como a do centroavante “pau fincado” (faço já uma alusão ao “pau mandado”, epíteto que Cacalo colou na testa de Ricardo RW) foi demais. Podemos discordar sobre os meios. Mas o fim de todos nós, gremistas, é o sucesso de nosso clube do coração. Mas os impropérios de Cacalo não pararam por aí. Entrou de sola nos corneteiros da Redenção, dizendo que estes "brincam de boneca" e levam "cachorrinhos cor-de-rosa" no parque. Cartão amarelo, Cacalo. Ou rosa. Apresentar armas (entrou de sola) e proferir ofensas está previsto nas regras do futebol como passível de cartão.
Cacalo pisou na bola, para usar a linguagem ludopédica. Deu de bico. Como um zagueiro de várzea. Ou deu uma de Braian Rodrigues, já que a crítica de referia à tese do centroavante Cone ou Aipim. Ora, se alguém não concorda com as teses de outro, deve argumentar. Se não em nome de algo maior – a fraternidade clubística (afinal, estamos do mesmo lado nessa luta) – pelo menos em nome do curriculum de cada um. Não podemos nos comportar como a base aliada de Dilma, que está liquidando com o jogo da política e da economia. Somos da base aliada gremista. Não podemos nos comportar como Eduardo Cunha.
Também não pareceu adequado o comentário do Benfica ao dizer que o sonho do blogueiro seria ter seu nome citado, com o sarcasmo do tipo “mas ele nunca vai conseguir estar neste nobre espaço da Gaúcha”. A propósito, nem é necessário citar o nome do blogueiro: quem assistiu ao vídeo sabe bem de quem Cacalo e Benfica falavam. À socapa e à sorrelfa, não vale.
Como colaborador do Blog, também me senti ofendido. A propósito: estariam aqueles que colaboram com o “blog-pau-mandado” inseridos no “conjunto dos enunciados linguísticos ao qual se referiram Cacalo e Benfica”? Vamos consultar Wittgenstein (que não é o centroavante do Bayern).
Atire a primeira pedra quem não tem defeitos ou quem não tenha cometido erros. Vamos falar do Leandrão sugerido pelo Cacalo? Vamos falar da tese da ideologia do pontinho fora? Há gente que gosta do centroavante e há quem não goste. Há exemplos de centroavantes de sucesso. Mas, por favor, há centenas de exemplos de fracasso (a fila de centrovantes que tem passado pelo Grêmio mostra isso, pois não?). A seleção brasileira fracassou com Fred de centroavante, o mesmo Fred que Cacalo chamou de craque nesse dia. E assim por diante. Discordamos? Sim. E daí? Mas ninguém de nós chamaria o seu “discordador” de idiota ou imbecil. Henry Mencken poderia ajudar muito com seu livro de insultos. Mas para “insultar” com classe.
Depois de tantos anos sem títulos, reconheço que estamos estressados. Cacalo deve estar. Não é fácil fazer um programa diário. Como não é fácil para os torcedores pagarem suas pesadas mensalidades de sócio do clube do coração. E sem títulos. A vida está estressante. Mas nada disso justifica esses rompantes tipo “tenho poder da fala e vocês não tem”.
Os árbitros erram. Errar é humano, não é verdade? Cacalo errou. E bem poderia pedir desculpas ao RW. Imaginemos se cada um dos ouvintes que não concordar com a pena de morte resolver mandar ofensas ao programa quando um ou dois integrantes fazem esse tipo de comentário? Ou quando fazem comentários sobre política dos quais discordamos? Ou quando falam de assuntos que não dominam? Ou ainda quando cometem erros crassos de direito, confundindo parecer com sentença ou inquérito com processo? Não. Se discordamos, mandamos mensagens ao programa. Por vezes mais duras. Mas não lembro de alguém que tenha chamado alguns dos integrantes do Sala de idiota ou imbecil.
Futebol deve ser uma coisa lúdica. Por isso, chamamos futebol de ludopedismo. Serve para divertir. Relaxemos, pois. Afinal, cada um de nós tem um dia de Alcino Terremoto. Ou de Albeneir. Como disse, somos da base aliada. Cacalo, RW, este escriba e mais da metade do Rio Grande. Uma base aliada que quer ser campeã. Até com gol de centroavante. Ou do goleiro. No limite, até de mão vale.
Já sobre a questão das bonecas e dos cachorrinhos na Redenção...deixa prá lá. Só falo sobre coisas que sei e que conheço...