quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

COLUNA DO GUBERMAN

NOVAS NOTÍCIAS DA TRANSNÍSTRIA

Viva a Transnístria.

Lembram-se da Transnístria? É aquela província da República da Moldávia cuja federação local de futebol e a imprensa esportiva têm um clube do coração, o Sheriff Tiraspol, enquanto tratam o outro time, o Slobozia, a ferro e fogo (quem quiser ver a coluna na qual falamos da Transnístria, CLIQUE AQUI).
Pois bem, esta semana a coluna volta à Transnístria.
Esta semana, recebemos novas notícias da Transnístria. Meu grande amigo de Santana do Livramento, o grande cinéfilo Carlos Thomaz Albornoz, esteve em Tiraspol, a capital, para o Festival Internacional Transnístrio de Cinema. E concordou em servir de correspondente da Coluna nas plagas transnístrias.
A Transnístria é um lugar muito atrasado do ponto de vista do jornalismo. Os cronistas esportivos do maior jornal do lugar, o Nulevóia Vremyia, também são os participantes de um programa chamado Otdel Novosteíi, e eles vivem reclamando da internet, das redes sociais e afins que teimam em desmascará-los e mostrar a verdade. Para verem como são atrasados, os jornalistas insistem em coisas arcaicas como “jogar por uma bola”, “jogar com regulamento embaixo do braço”, “centro-avante plantado na área”, “não se joga por placar elástico” e outras imbecilidades do mesmo jaez. Todos esses jornalistas formam uma confraria secreta: a Imprensa pró-Sheriss, a IPS. Eles têm adoração pelo Sheriff Tiraspol e abominam o Slobozia que só é visto em chamadas de matérias negativas e por aí vai.
Todas já sabiam, pelo que foi relatado na coluna anterior sobre a Transnístria, que FTF (Federação Transnístria de Futebol) era vermelha, a cor do Sheriff Tiraspol. . Da mesma forma, sabíamos que imprensa esportiva local o era, o que não sabíamos, mas desconfiávamos, era que as autoridades transnístrias também são isentas.
Descobrimos isso por meio das investigações in loco feitas pelo nosso correspondente lá na Transnístria. Não crêem? Vamos aos fatos.
Existe um intrincado sistema judiciário naquela província. Existe lá o Parquet Provincial e o Juiz Especial dos Eventos Esportivos. Esses dois impolutos órgãos são ligados ao Judiciário Provincial Transnístrio e têm como função a fiscalização e o emprego da Lei do Torcedor, um estatuto legal válido em todo o país, mas que, na Província da Transnístria, é encarado de um jeito todo especial.
O Hino da Transnístria é lindíssimo. Fala das virtudes dos transnístrios e diz que quem não as tem fenecerá sob os grilhões da escravidão; insta, ainda, que o mundo siga o exemplo dos grandes feitos transnístrios. Pois bem, as autoridades transnístrias tinham de ler o seu hino provincial umas mil vezes por dia para verem se alguma coisa assimilavam.
O diligente membro do Parquet Provincial tem especial severidade com torcidas organizadas, desde que sejam as organizadas do Slobozia. São tão severas que já, em vésperas de feriados e em plena madrugada, as tais autoridades decidiram desde banimento de perigosos trapos e bandeiras, até a proibição de presença das ditas torcidas. Espirra-se alto no estádio, bane-se a torcida. As augustas autoridades também sofrem de tricomofobia aguda, diga-se de passagem.
Para as torcidas do Sheriff Tiraspol, a música que toca é outra.
Na rodada de abertura do Transnistrião, houve uma briga entre os torcedores do Sheriff Tiraspol. Foi algo horrível de se ver. Pedras voavam para dentro e fora do estádio, membros das organizadas pegaram-se a socos e pontapés sob os olhares horrorizados de famílias que deixaram o estádio em fuga, temendo pelas próprias vidas. Enquanto isso, os repórteres da IPS gritavam ao microfone que as pedras “vinham de fora do estádio”. Xini Tottenham Cumbuca, colunista-capacho do Jornal Nulevóia Vremyia, escreveu correndo que os brigões não eram torcedores do Sheriff. E por aí foi. Descobriu-se que a diretoria do Sheriff dera ônibus (o jogo tinha sido fora da capital) e ingressos para as organizadas que protagonizaram o lamentável espetáculo de selvageria. Cerejinha do bolo: as ditas autorizadas tinham recebido – e, em tese, deveriam estar cumprindo – uma “punição”, para lá de leniente, das autoridades.
Dirão os leitores: “ então as autoridades, quando tomaram conhecimento disso tudo, foram severíssimas com os torcedores e com o clube”. Ledo engano, ingênuo amigo.Não foram. Até o momento, passados quase quinze dias, as tão diligentes autoridades nada fizeram. E por quê? Porque também parecem ser isentas! Pobre Transnístria. Tanta isenção tem-lhe matado o futebol.
O tal do membro do parquet e o juiz são declarados torcedores do Sheriff. Isso nem teria problema se eles fosse suficientemente profissionais para exercerem suas funções com denodo e transparência. Só que o diligente promotor transnístrio e o juiz já apoiaram chapa em eleição para a presidência do clube de sua predileção, têm fotos de cobertura no facebook e no twitter abraçados ao presidente do Sheriff e a Franz Dyeviaty Letto, presidente da federação, e têm publicações típicas de torcedores... Diz o velho adágio que, à mulher de César, não basta ser honesta, deve, também, parecer honesta. Idem o promotor e o juiz. E essas autoridades da Transnístria não parecem nem uma coisa nem outra.
No dia seguinte à briga entre os vândalos torcedores do Sheriff, a maior pedrada de todas foi a entrevista que concederam o Promotor e o juiz, à tour de rôle, à Rádio Slo-riff, outra rádio de Tiraspol, cheia de repórteres isentos, em tese unicamente dedicada à dupla “Slobozia- Sheriff”. Ambos minimizaram a selvageria, classificando-a de “incidentes”, não deram um pio sobre o fato das organizadas estarem lá a despeito da decisão anterior e terminaram falando sobre punição da... torcida do Slobozia porque, na final da Copa da Moldávia, a torcida do Slobozia desafiara a proibição do Parquet e entrara no jogo com instrumentos musicais.  Vêem todos, portanto, que as autoridades da Transnístria têm um grande senso de proporção e periculosidade. Ambas as torcidas descumpriram ordens, mas uma delas provocou uma briga com feridos. Não que as organizadas do Slobozia sejam santas, bem ao contrário, mas, tenham santa paciência, isenção tem limites.
Há meses, quando o Sheriff estava prestes a ser rebaixado à Série 2 do campeonato nacional, uns gozadores fizeram um drone sobrevoar o Estádio Phipha (sede do Sheriff, construído em terreno público cedido pelo município, mas isso será objeto de outra crônica), as organizadas do Sheriff acharam que tinham localizado a casa da onde saíra o drone e depredaram o imóvel. Erraram o alvo e a casa era de um torcedor do Sheriff. Identificaram-se diversos membros das organizadas do Sheriff. Só que o diligente promotor foi à Rádio Transnístria dizer que não se poderia aplicar punição a ninguém porque nada se podia provar. Isentou a responsabilidade antes até que se tentasse estabelecê-la ou qualquer investigação fosse feita. Blindagem preventiva é pouco! E são esses mesmos que, até o momento, não só não aplicaram qualquer punição à torcida organizada o Sheriff, como, igualmente, já se pronunciaram que o clube não poderia ser responsabilizado... haja isenção.
Eu, então, indago: por que se aceita essa situação? Como não se age diante de tantas e notórias aberrações? Tanto o Promotor quanto o juiz estão inseridos em uma hierarquia funcional que permite o incidente de suspeição, por exemplo. Basta se agir. Há instâncias que podem ser acionadas. Só que nada é feito até porque a imprensa local é cooptada pelo Sheriff  e, ao invés de investigar ou cobrar providências, são parceiros. A verdade é que as autoridades que deveriam zelar pela lei e pela ordem estão-nas subvertendo. Pobre Transnístria.
Só resta aos torcedores do Slobozia embebedarem-se com Bardhal direto no bico.
Flavio Guberman