terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Costela de Fernando Carvalho. (David Coimbra)


Vários leitores me mandaram esta coluna de David Coimbra sobre a Costela de Fernando Carvalho.
Eu não queria publicar.Já tinha lido.
Certa vez David Coimbra disse que o Grêmio perdeu um gre-nal porque o Grêmio "não tinha argentinos de verdade".
Achei muito forte aquela expressão.
Exaltou os argentinos do Inter.
No ínicio do ano disse que o Inter estava maduro para ganhar a libertadores depois da vitória contra o João Peruano.
E decretou o fim do ano em março para Grêmio.
Várias pessoas me mandaram esta coluna dizendo mais ou menos o seguinte:
"corneteiro.O homem elogia até a costela feita pelo Carvalho.Cai fora.Desiste"
Como os jornalista podem dizer frases fortes...o corneteiro  vai dizer uma frase "semi-forte"
Esta coluna de David Coimbra não foi uma "coluna de verdade"

A costela do Fernando Carvalho

13 de fevereiro de 20118

O Fernando Carvalho prepara uma costela campeã do mundo. Por Deus. Repare: não sou um entusiasta de costelas. A maioria dos meus amigos se revolta quando digo isso.
“Não espalha, David. É até vergonhoso...”.
Não me importo com o que possam pensar de mim. Podem duvidar da minha masculinidade, dizer que não sou gaúcho e talicoisa. A verdade é que prefiro a picanha, com suas fibras perfeitas e sua carne tenra. Só que a costela que o Fernando Carvalho prepara é diferente. Ele faz uma incisão num extremo da peça e retira a capa de gordura. Depois, deposita amorosamente a tira de carne no fogo e vai dourando-a com critério, sem pressa, como um time que está vencendo toca a bola para passar o tempo.
Essa costela campeã do mundo eu a provei num churrasco que o Fernando Carvalho me ofereceu em sua casa num dos condomínios aqui do litoral. Trata-se de uma bela casa, com uma bela churrasqueira. Mais: com DUAS belas churrasqueiras. Essa noite, o Fernando me recebeu na churrasqueira interna, de avental pendurado no pescoço e espeto na mão, como um espadachim. Sentei-me ao balcão de mármore e ele colocou na minha frente uma garrafa de cerveja uruguaia com o casco branco de tão gelada.
– Uuuh... – exclamei em saudação. Sempre faço uuuh quando vejo uma cerveja branca de tão gelada.
– Com esse churrasco, são dois – contabilizou ele.
São dois que estou lhe devendo. Um por cortesia de amigo; outro devido a uma aposta perdida. Uma noite, lembramos do campeonato de 75, quando o Inter foi heptacampeão. Disse-lhe que recordava pormenores do Gre-Nal decisivo. Descrevi: aos sete minutos do segundo tempo da prorrogação, o Valdomiro pegou a bola pela direita e atirou para frente, na sua jogada típica. Passou pelo Jorge Tabajara como se alguém tivesse aparafusado o Jorge Tabajara na grama. Foi-se para a linha de fundo. De lá, cruzou para trás. A bola, violenta, venenosa, bateu no pé do Ancheta e foi em direção ao gol. Chocou-se com o peito do Picasso e voltou para o meio da área, na marca do pênalti. Lá estava o Flávio Minuano, o Flávio Bicudo. Só que de costas para o gol. Mas ele fincou a chuteira esquerda na grama, girou o corpo e chutou com a direita. Gol. O gol do título. Terminado o jogo, o Tabajara quicou a bola na grama e balbuciou, sorrindo:
– Um a zero...
Foi o fim do Tabajara no Grêmio.
Pois disse que aquele Gre-Nal era o decisivo do campeonato. O Fernando disse que era o Gre-Nal decisivo do turno. Apostamos. Perdi.
No churrasco à beira da churrasqueira da casa dele na praia, voltamos a falar do Gre-Nal de 75. E lembramos que, além do Tabajara, houve outros jogadores para os quais o Gre-Nal foi o seu fim.
– O Breno – lembrei, enquanto me servia de mais cerveja.
O Breno levou um gol de falta do Valdomiro lá de longe, quase do meio do campo. Fazia uma cerração braba, o Breno não enxergou a bola direito, e o Inter ganhou. Foi o fim do Breno.
Antes de a costela ficar pronta, o Fernando serviu uma linguiça fininha, comprada aqui mesmo na Orla. Uma delícia.
– O Claudio Radar – citou ele.
O Radar foi vítima de uma jogada que o Inter tinha: Vacaria, Carpegiani e Lula triangulavam pela esquerda. O Radar ficou no meio deles a tarde inteira, gritando:
– Ajudem! Ajudem!
Ninguém ajudou. O Beto Fuscão estava cuidando do Escurinho, o Beto Bacamarte estava cuidando do Flávio, o Cacau estava cuidando do Falcão. O Inter passou o jogo trocando bola por ali e venceu por 2 a 1. No final, o então governandor Guazzelli comentou, das cadeiras do Olímpico:
– Precisamos de um novo lateral-direito.
Foi o fim do Claudio Radar.
Bebemos mais um pouco de cerveja uruguaia, e a costela ficou pronta. Desmanchava-se sob a língua.
– Nem parece costela! – elogiei. – É um patê!
– Lembra do Benitez? – observou o Fer-nando.
Naquele Gre-Nal em que o Inter entrou todo de vermelho, o Iúra havia aplicado uma voadora no Falcão. Na jogada seguinte, a bola quicou na frente dele, e o Caçapava, louco para revidar, veio que veio rosnando, mas veio e veio e veio brabo que nem um bicho. O Iúra, apavorado com aquele baita negão correndo de dentes rilhados em sua direção, deu um balão, livrou-se da bola. Pois o vento carregou-a direitinho para debaixo do travessão, dentro do gol do Inter. O Grêmio venceu por 4 a 0, o Inter levou 25 anos para se vestir todo de vermelho de novo e foi o fim do Benitez. Pelo menos naquele ano.
E ficamos a nos lembrar de Gre-Nais que foram o fim para um ou para outro e de jogos que foram o começo de tudo e de heróis e vilões de chuteira e foi-se a costela campeã do mundo e foram-se as cervejas uruguaias branquinhas de tão geladas e foi-se a noite. Antes de nos despedirmos, o Fernando Carvalho deu-se ao trabalho de contar quantas cervejas consumimos naquele churrasco em seu condomínio: 10!